quinta-feira, 23 de junho de 2011

CONTOS MARAJOARAS - O VELHO CURRAL

            Em uma bela praia marajoara, pequenas ondas acariciavam manhosamente a areia tornando o ambiente calmo e indolente. Passavam as noites e os dias, a maré vazava e enchia numa rotina que parecia não ter fim.
Num belo dia enquanto as ondas aguardavam a cheia da maré, para acariciarem as areias, notaram um grande movimento de pessoas próximo a um banco de areia e pedras, eles carregavam em seus ombros pedaços  de madeira que foram fortemente fincados na areia. O que estariam fazendo? Perguntavam uma as outras e não encontraram nenhuma resposta. Como a maré estava enchendo as ondas circundavam aquele local, molhando aquelas peças de madeira fincadas na areia e ficaram ainda mais curiosas.
No dia seguinte quando a maré estava baixa, os homens voltaram com cipós, varas, talas, mourões, enviras e começaram a tecer uma cerca em sentido reto e depois redondo, trabalharam por diversas horas e dias, até que a obra terminou. Uma velha onda que passava por ali, olhou para as mais novas  e exclamou: - é um FORTE E NOVO CURRAL. As pequenas ondas ficaram ainda mais curiosas e perguntaram: - Para que serve? Pois naquela praia nunca haviam visto nada igual. A maré estava baixa quando o homen disse: - Está pronto!
Orgulhosamente surgiu o belo e imponente curral, observando de um lado o mar e do outro a praia, ainda não sabia qual sua utilidade, sabia que estava ali sozinho e inerte. A maré encheu, a noite passou calmamente, amanheceu, e o curral percebeu que sua parte arredondada estava repleta de peixes de muitas qualidades, ficou preocupado e pensou: - Minha finalidade é aprisionar as criaturas marinhas? As ondas, que a tudo observavam ficaram revoltadas, pois ali era a moradas daquelas espécies e até então viviam em total liberdade. Enquanto o curral apresentava ares de preocupação, eis que surgiram alguns homens que alegremente exclamaram: - Graças ao bom Deus, não passaremos mais fome, com estes peixes poderemos alimentar as nossas famílias, assim como a de nossos vizinhos, vamos rezar para que este curral possa sempre aprisionar peixes suficientes para nossa alimentação. Recolheram os peixes e rumaram alegremente para a cidade.
O curral que assistia tudo, procurava entender. Ficou sensibilizado com aquela conversa e percebeu o quanto era importante para aquelas pessoas e resolveu orgulhosamente cumprir com a missão que a natureza lhe havia destinado. Mas lembrou, teria que explicar para as pequenas ondas, que a partir daquele dia, essa seria a sua função, mas com lhes explicar isso ?
Chegava o verão, as grandes ondas voltaram ao seu lugar de origem e durante a maré noturna açoitaram furiosamente as praias, e, conseqüentemente o curral, que preocupado pensou: - Será que elas estão aborrecidas comigo? Na noite posterior fez um lindo luar, o mar estava calmo e as ondas lambiam mansamente sua estrutura, aproveitou a oportunidade para explicar sua finalidade. As ondas calmas e serenas resolveram escutar o que ele queria dizer, então, timidamente disse: - Tudo na natureza tem sua função, o mar abriga os animais marinhos, a terra abriga os homens, eles precisam de alimentos para sobreviverem, fiquei muito assustado quando percebi minha utilidade, mas quando soube que o destino dos peixes que aprisiono, é para amenizar a fome dos homens, mulheres e crianças da vila, me senti orgulhoso e, percebi que formamos uma grande dupla, vocês criando e alimentando os peixes em suas entranhas e, eu os retendo para proporcionar a alimentação dos moradores da vila, com o nosso desempenho eles sempre terão fartura. Vamos cada um cumprir sua função, deixando que tudo siga seu curso natural. A minha natureza é ser curral e assim será enquanto eu existir. O mar e as ondas ficaram convencidos. O tempo foi passando e a harmonia entre o mar, as ondas e o curral formavam um triângulo quase perfeito.
Os habitantes do lugar achavam que o curral era indestrutível, esqueceram de observar que o tempo e as agressões naturais estavam enfraquecendo sua estrutura. Quando a maré baixava e ele ficava totalmente exposto na praia, tinha esperanças de que seria observado e que os homens providenciariam a reforma de suas partes deterioradas, mas nada.  Tristemente olhou para as ondas que o acariciavam como se quisessem confortá-lo e exclamou: - Estou velho, trabalhei dia e noite sem parar, agora estou abandonado, mas estou feliz porque sempre cumpri minha obrigação, sei que este é meu fim.
Passaram-se algumas semanas, as ondas tentavam passar lentamente sobre o VELHO CURRAL, em sinal de respeito. Certo dia formou-se uma grande tempestade, os ventos açoitaram as águas com fúria, as ondas cresceram e com velocidade incontrolável rumaram em direção a praia arrasando tudo em sua frente, o curral não resistiu, foi destruído e levado pelas águas em dezenas de pedaços. Na sua agonia ainda escutou quando as ondas tristemente murmuraram: - Desculpe-nos imponente curral, a natureza precipitou sua destruição, talvez pelo fato de vê-lo tão triste, impotente e abandonado. O mundo é assim, quando precisam de nós, vivem a nos bajular e a nos imputar qualidades que muitas vezes nem temos e quando percebem que perdemos a utilidade, somos sumariamente descartados, é a vida.
Após a tempestade, o mar acomodou-se por alguns minutos, em memória do VELHO CURRAL.
Na praia garças brancas, gaivotas e maçaricos velavam aquela praia como se fosse um túmulo.
José Nunes.
Salvaterra-Pa
             

Um comentário:

  1. Que coisa linda, fui lendo e imaginando tudo, cada detalhe fui viveciando em meus pensamentos. Me bateu aquela saudade desse lugar. De um lugar que teima em voltar em minhas memórias, onde fui feliz com meus primos, umas férias que nunca esqueci. Vi muitos currais como esses e muitos homens, assim como esses currais, a comparação é inevitável. A vida é inevitável. Agradece ao Zé, primo querido, pela bela leitura que me fez recordar dias felizes e que me fez refletir sobre nossas vidas. beijos. Amo muito vocês.

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