Em uma bela praia marajoara, pequenas ondas acariciavam manhosamente a areia tornando o ambiente calmo e indolente. Passavam as noites e os dias, a maré vazava e enchia numa rotina que parecia não ter fim.
Num belo dia enquanto as ondas aguardavam a cheia da maré, para acariciarem as areias, notaram um grande movimento de pessoas próximo a um banco de areia e pedras, eles carregavam em seus ombros pedaços de madeira que foram fortemente fincados na areia. O que estariam fazendo? Perguntavam uma as outras e não encontraram nenhuma resposta. Como a maré estava enchendo as ondas circundavam aquele local, molhando aquelas peças de madeira fincadas na areia e ficaram ainda mais curiosas.
No dia seguinte quando a maré estava baixa, os homens voltaram com cipós, varas, talas, mourões, enviras e começaram a tecer uma cerca em sentido reto e depois redondo, trabalharam por diversas horas e dias, até que a obra terminou. Uma velha onda que passava por ali, olhou para as mais novas e exclamou: - é um FORTE E NOVO CURRAL. As pequenas ondas ficaram ainda mais curiosas e perguntaram: - Para que serve? Pois naquela praia nunca haviam visto nada igual. A maré estava baixa quando o homen disse: - Está pronto!
Orgulhosamente surgiu o belo e imponente curral, observando de um lado o mar e do outro a praia, ainda não sabia qual sua utilidade, sabia que estava ali sozinho e inerte. A maré encheu, a noite passou calmamente, amanheceu, e o curral percebeu que sua parte arredondada estava repleta de peixes de muitas qualidades, ficou preocupado e pensou: - Minha finalidade é aprisionar as criaturas marinhas? As ondas, que a tudo observavam ficaram revoltadas, pois ali era a moradas daquelas espécies e até então viviam em total liberdade. Enquanto o curral apresentava ares de preocupação, eis que surgiram alguns homens que alegremente exclamaram: - Graças ao bom Deus, não passaremos mais fome, com estes peixes poderemos alimentar as nossas famílias, assim como a de nossos vizinhos, vamos rezar para que este curral possa sempre aprisionar peixes suficientes para nossa alimentação. Recolheram os peixes e rumaram alegremente para a cidade.
O curral que assistia tudo, procurava entender. Ficou sensibilizado com aquela conversa e percebeu o quanto era importante para aquelas pessoas e resolveu orgulhosamente cumprir com a missão que a natureza lhe havia destinado. Mas lembrou, teria que explicar para as pequenas ondas, que a partir daquele dia, essa seria a sua função, mas com lhes explicar isso ?
Chegava o verão, as grandes ondas voltaram ao seu lugar de origem e durante a maré noturna açoitaram furiosamente as praias, e, conseqüentemente o curral, que preocupado pensou: - Será que elas estão aborrecidas comigo? Na noite posterior fez um lindo luar, o mar estava calmo e as ondas lambiam mansamente sua estrutura, aproveitou a oportunidade para explicar sua finalidade. As ondas calmas e serenas resolveram escutar o que ele queria dizer, então, timidamente disse: - Tudo na natureza tem sua função, o mar abriga os animais marinhos, a terra abriga os homens, eles precisam de alimentos para sobreviverem, fiquei muito assustado quando percebi minha utilidade, mas quando soube que o destino dos peixes que aprisiono, é para amenizar a fome dos homens, mulheres e crianças da vila, me senti orgulhoso e, percebi que formamos uma grande dupla, vocês criando e alimentando os peixes em suas entranhas e, eu os retendo para proporcionar a alimentação dos moradores da vila, com o nosso desempenho eles sempre terão fartura. Vamos cada um cumprir sua função, deixando que tudo siga seu curso natural. A minha natureza é ser curral e assim será enquanto eu existir. O mar e as ondas ficaram convencidos. O tempo foi passando e a harmonia entre o mar, as ondas e o curral formavam um triângulo quase perfeito.
Os habitantes do lugar achavam que o curral era indestrutível, esqueceram de observar que o tempo e as agressões naturais estavam enfraquecendo sua estrutura. Quando a maré baixava e ele ficava totalmente exposto na praia, tinha esperanças de que seria observado e que os homens providenciariam a reforma de suas partes deterioradas, mas nada. Tristemente olhou para as ondas que o acariciavam como se quisessem confortá-lo e exclamou: - Estou velho, trabalhei dia e noite sem parar, agora estou abandonado, mas estou feliz porque sempre cumpri minha obrigação, sei que este é meu fim.
Passaram-se algumas semanas, as ondas tentavam passar lentamente sobre o VELHO CURRAL, em sinal de respeito. Certo dia formou-se uma grande tempestade, os ventos açoitaram as águas com fúria, as ondas cresceram e com velocidade incontrolável rumaram em direção a praia arrasando tudo em sua frente, o curral não resistiu, foi destruído e levado pelas águas em dezenas de pedaços. Na sua agonia ainda escutou quando as ondas tristemente murmuraram: - Desculpe-nos imponente curral, a natureza precipitou sua destruição, talvez pelo fato de vê-lo tão triste, impotente e abandonado. O mundo é assim, quando precisam de nós, vivem a nos bajular e a nos imputar qualidades que muitas vezes nem temos e quando percebem que perdemos a utilidade, somos sumariamente descartados, é a vida.
Após a tempestade, o mar acomodou-se por alguns minutos, em memória do VELHO CURRAL.
Na praia garças brancas, gaivotas e maçaricos velavam aquela praia como se fosse um túmulo.
José Nunes.
Salvaterra-Pa